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Apoio. Proposição Popular. Declara Doces de Tombos Patrimônio Cultural e Imaterial.
Francisco C.
começou essa petição para
Legislativo e Executivo de Tombos.
Proposição de Projeto de Lei de iniciativa popular que
Declara patrimônio cultural e imaterial, do Município de Tombos(MG), a
fabricação artesanal de doces:
- Mané Branco/Rapadura Mole/Camelo
- Rapadura
- Goiabada Cascão
- Doce de leite
- Doce de figo
- Bananada
- Açucar Mascavo
- Doce de Laranja da Terra
- Cocada
- Pé de Moleque
- Melado de Cana
- Pudim de Leite Condensado e doces em geral
A Câmara Municipal de Tombos, no Estado de Minas Gerais, em
atendimento ao projeto de iniciativa e apoio popular, aprova e o Prefeito Municipal
sanciona:
Art. 1º – Fica declarado patrimônio cultural e imaterial, do
Município de Tombos (MG), a fabricação e produção artesanal de doces:
- Mané Branco/Rapadura Mole/Camelo;
- Rapadura;
- Açucar Mascavo;
- Goiabada Cascão;
- Doce de leite;
- Doce de figo;
- Bananada;
- Doce de Laranja da Terra
- Cocada
- Pé de Moleque
- Melado de Cana
- Pudim de Leite Condensado e doces em geral
Art. 2º – A declaração de que trata esta lei tem por
objetivo registrar, enaltecer, promover, incrementar, incentivar, fomentar e
preservar a difusão das práticas historicamente relacionadas à fabricação e
produção artesanal familiar passada de geração em geração, assim como o consumo
desses doces acima descritos, no município de Tombos(MG).
Art. 3º – Cabe ao Poder Executivo a adoção das medidas
cabíveis para registro dos bens culturais e imateriais de que tratam esta lei.
Assim como alinhar iniciativas e propostas para resgatar, registrar, valorizar,
promover, incrementar e incentivar as tradições familiares na produção de doces
em Tombos. Tradições essas que passam de geração a geração. Incluído um plano
de preservação do modo de produção dos doces no município de Tombos, com ações
para a manutenção e transmissão do conhecimento para as próximas gerações.
Assim como promover e realizar feiras, eventos e atividades que difundam,
fomentem e promovem o desenvolvimento dessas atividades empreendedoras coletivas,
familiares e individuais.
Art. 4º Fica declarado, o dia 21 de maio, o DIA DO DOCE em
TOMBOS.
Sala das Sessões, .... de ......... de 2023
Presidente da CMT – Aprovação e demais vereadores(as)
Prefeito Municipal – Sanção.
Autor: Proposta de Iniciativa Popular com o apoio de todo o
legislativo e comunidade de Tombos.
Justificativa:
“Tombos. Doce Terra
doce. Com aromas, sabores
e lembranças doces da
tenra e doce infância”.
Francisco Cabral/Xyko
Éocombatente/Chico Fogueteiro/Cacá/CATI
Desde criança o meu sonho é ajudar a promover Tombos, minha
querida Terra Natal e toda a região.
Encantado desde então com suas belezas e aos 10 anos já
descrevi essa vontade, visão e desejo:
“Minha Terra Natal
É tão cheia de beleza.
É o lugar ideal
Para se curtir, viver e amar a natureza.
Lugar de lindas matas e cachoeiras
Com seu panorama sensacional
Estou para ver coisa mais bonita
Que seu reluzente visual”
(FCAC)
Pude, enquanto Secretário de Turismo em Carangola em 1997,
incluir Tombos e suas belezas em um projeto pioneiro que embasou e foi fonte de
inspiração de diversas outras iniciativas que colocam Tombos e toda a região,
dos Caminhos do Pico da Bandeira, em Destaque. (Caminhos do Pico da Bandeira, Rota
do Café e Cachaça, Caminho da Luz Divina e diversos outros). Podemos assim
dizer que com essa iniciativa fui o criador de todas as demais que com meu
apoio, iniciativa, ação e incentivo se tornaram uma realidade que hoje promove
Tombos e toda a região para o País e o mundo.
Agora nesse momento, dando um passo ainda mais firme, busco
junto à população Tombense e o apoio do Legislativo e o Executivo alinhar
iniciativas e propostas para resgatar, registrar, valorizar, promover,
incrementar e incentivar as tradições familiares na produção de doces de nossa
querida Tombos. Tradições essas que passam de geração a geração de quase 1
século. Doces esses que me remontam a aromas e sabores da tenra infância.
Afinal creio que todos nós guardamos na lembrança esses sabores “da raspa do
doce de leite e da bananada” do Zé Morcef ao sairmos da Cachoeira do Grilo(nossa
área de lazer) e passarmos por lá para uma degustação todos os dias. Assim como dos doces da família Vargas aos pés
da cachoeira de Tombos. Do açúcar mascavo, rapaduras e o Camelo(*)/Mané Branco
das famílias: Camilo, Perusso e todos os demais que nos fogem no momento à memória.
Porém serão igualmente destacados.
(*)* Camelo, como é denominada a rapadura branca em Tombos,
nos parece ter sido denominado em decorrência do formato que é moldado com as
mãos. Prática comum por aqui que diferencia de todos os demais. Parecendo ser 2
corcovas de camelo. Portanto assim batizado. Sabores esse que nos remontam às
lembranças dessas maravilhas.
Outros destaques na produção de doces remontamos aos tempos
do Sr Alfredinho Campos... (Padaria Mariza) com suas produções de doces diversos
e cocadas maravilhosas que hoje foram preservadas e resgatadas por Silvinho e Ana
Paula.
Outras maravilhas de doces Dona Maria Anita produzia. Arte essa
preservada pela sua filha Zezé Murucci.
Portanto, no mês de maio a ser declarado o DIA DO DOCE em
TOMBOS, é também uma homenagem a uma ilustre Tombense. Minhas queridas mãe
Osseli de Abreu Cabral que nasceu em 14 de maio de 1944 e foi uma grande chefe
culinária e doceira. Com uma paixão e amor em adoçar e alegrar a vida de todos
em toda sua vida. Com suas habilidades culinárias deixou marcas e lembranças
indeléveis em nossas mentes e corações e de todos. Assim como irá permitir
conectar essa data à data festiva e comemorativa de Tombos(21 de maio)
promovendo, incrementando e incentivando essas maravilhas aqui produzidas.
Também registrar que Osseli foi Professora da Escola Marieta
Guariglia Bravo da 1ª Turma e aluna da 1ª Turma do Ginásio e Magistério em
Tombos. Além do grande trabalho social que sempre desempenhou em ajudar a quem
precisou de seu apoio. Homenageando-a homenageamos a todos os demais que tem essa
rica e belíssima história e para celebrar essas iniciativas iremos transcrever
na solenidade de lançamento dessas conquistas um livro de receitas. Com todas
as receitas deixadas, por Osseli de Abreu Cabral, que serão preservadas e
compartilhadas nessa obra. Muitas delas são receitas de família que herdou a
prática e herança culinária de sua mãe, Selita Goulart de Abreu, que também nasceu
em maio(dia 04) em Cabuçu – Itaboraí(RJ). A quem também homenageamos de coração.
Após a aprovação e sanção vamos todos juntos darmos
prosseguimento a esse trabalho de registrar, promover, incrementar essa
iniciativa a nível estadual e federal. Buscando alinhar iniciativas e oportunidades
para promover Tombos e toda a região. Um trabalho que promovo há mais de 3 décadas
e sonho desde a infância. (FCAC)
Informações:
Patrimônio Imaterial
Verbete
Letícia C. R. Vianna
Patrimônio Imaterial é um conceito adotado em muitos países
e fóruns internacionais como complementar ao conceito de patrimônio material na
formulação e condução de políticas de proteção e salvaguarda dos patrimônios
culturais, sob a perspectiva antropológica e relativista de cultura. Usa-se,
também, patrimônio intangível como termo sinônimo para designar as referências
simbólicas dos processos e dinâmicas socioculturais de invenção, transmissão e
prática contínua de tradições fundamentais para as identidades de grupos,
segmentos sociais, comunidades, povos e nações.
No Brasil, o marco legal para a política de patrimônio
cultural imaterial é a Constituição Federal de 1988. No Artigo 216 o conceito
de patrimônio cultural aparece estabelecido nas dimensões material e imaterial.
Abarca tanto os sítios arqueológicos, obras arquitetônicas, urbanísticas e
artísticas – bens de natureza material –, quanto celebrações e saberes da
cultura popular, as festas, a religiosidade, a musicalidade e as danças, as
comidas e bebidas, as artes e artesanatos, mitologias e narrativas, as línguas,
a literatura oral – manifestações de natureza imaterial.
Fundamentação Conceitual
Conceito antropológico de cultura; relativismo, diversidade
e patrimônio
Cultura, do ponto de vista da antropologia, é uma
característica da espécie humana, tal como a vida em sociedade. Compreende os
sistemas de significados, os valores, crenças, práticas e costumes; ética,
estética, conhecimentos e técnicas, modos de viver e visões de mundo que
orientam e dão sentido às existências individuais em suas coletividades. As
sociedades possuem complexos sistemas culturais próprios, nos quais coexistem
vários sistemas simbólicos, conflitantes e/ou harmônicos, criados, incorporados
e compartilhados de maneira particular em cada contexto. Não obstante as
semelhanças conjunturais e estruturais, históricas e culturais, as trocas e
assimilações de elementos entre diferentes sociedades, uma das características
mais marcantes da espécie humana é a diversidade de configurações
socioculturais observadas e possíveis no tempo e no espaço.
Sob a perspectiva da ciência moderna, desde o século XIX e
ao longo de todo o século XX, foram formulados, por várias disciplinas e
“escolas” das humanidades, dois pressupostos teóricos básicos que orientaram o
conhecimento científico e as políticas voltadas para diversidade cultural: o
etnocentrismo e o relativismo cultural.
O etnocentrismo é uma perspectiva que pressupõe a cultura
de um grupo como medida para valorar todas as outras culturas de coletivos
diferentes. Sob essa perspectiva, a cultura de um grupo é comparada, valorada
e hierarquizada positivamente em detrimento das demais culturas de outros
grupos. Desse modo, a diversidade cultural é explicada em função de gradações
hierárquicas, construídas a partir do ponto de vista de quem observa e emite
juízo de valor sobre o diferente. Por exemplo, a ideia de evolução de culturas
(da mais “primitiva” à mais “evoluída”, como nas teorias positivistas), e a ideia
de hierarquia de valor entre culturas de classes sociais (como “alta” cultura
das elites e “baixa” cultura das camadas populares).
O relativismo cultural é um pressuposto teórico construído
como esforço intelectual deliberado de transcendência de um ponto de vista
condicionado socialmente, em direção à percepção ampliada da diversidade
cultural, então definida como característica da humanidade como espécie.
Entende-se que todas as sociedades e culturas, por mais diversas, são análogas
em suas próprias “racionalidades” e “irracionalidades” intrínsecas; em formas,
funções e expressões especificas. E a valoração de uma cultura sobre outra é
condicionada pelo ponto de vista muito restrito de quem observa – é, por tanto,
relativa. Por exemplo, o alto grau de desenvolvimento tecnológico e industrial
de uma sociedade pode trazer conforto e bem-estar sob o ponto de vista de uma
cultura; mas, por outro lado, pode não conter boas soluções para sua existência
no que toca à ecologia e sustentabilidade ambiental; questão relativamente bem
resolvida em outras sociedades distantes do modelo produtivo tecno-industrial.
Sob a perspectiva do relativismo, a diversidade cultural, no
tempo e no espaço, entre as sociedades e dentro das sociedades, define a
espécie humana e atesta o seu enorme potencial criativo. A diversidade
cultural, sob essa perspectiva, é considerada um dos maiores patrimônios da
humanidade.
Patrimônio cultural imaterial e a Unesco
O conceito de patrimônio, na cultura ocidental moderna, de
modo geral, se refere a uma gama de coisas, bens de grande valor para pessoas,
comunidades ou nações ou para todo o conjunto da humanidade. Patrimônio
cultural remete à riqueza simbólica, cosmológica e tecnológica desenvolvida
pelas sociedades, e que é transmitida como herança ou legado. Diz respeito aos
conjuntos de conhecimentos e realizações de uma sociedade ou comunidade que são
acumulados ao longo de sua história e lhe conferem os traços de sua identidade
em relação às outras sociedades ou comunidades. A proteção deste patrimônio
comum à toda a humanidade – a diversidade cultural – é desenvolvida por
políticas públicas e instituições específicas em cada Estado-Nação, e por meio
de organismos internacionais que promovem convenções, acordos e programas de
cooperação internacional para este fim.
A primeira convenção internacional, no século XX, voltada à
proteção do patrimônio cultural foi a Carta de Atenas (IPHAN, 2000, p. 13-19),
elaborada pelos países membros da Sociedade das Nações (atualmente Organização
das Nações Unidas – ONU) em 1931; período entre as duas grandes guerras
mundiais. Esse documento traz a preocupação com a deterioração de monumentos
históricos, artísticos e científicos, e sugere meios de salvaguarda e
preservação. Em 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra - fruto da
exacerbação do etnocentrismo no plano mundial – dá-se a criação da Unesco
(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization/ Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) com o objetivo de contribuir
para a paz e segurança no mundo por meio da educação, a ciência, a cultura.
Dentre as preocupações e atividades da instituição, destacam-se a salvaguarda
do patrimônio cultural por meio da preservação das identidades culturais e
tradições orais. A Unesco é a principal organização internacional que atua
promovendo convenções, documentos, programas e projetos com vistas à proteção
do patrimônio cultural.
No âmbito da Unesco foram elaborados, a partir de
experiências desenvolvidas nos países membros, quatro documentos relevantes e
balizadores para a salvaguarda do patrimônio imaterial na virada para o século
XXI. São eles: Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Popular e Tradicional
de 1989 (IPHAN, 2000, p. 293-301; e Portal do IPHAN), no qual é reconhecida a
importância da cultura tradicional popular (o folclore) como patrimônio
cultural; o Programa “Tesouros Humanos Vivos” de 1993, que estimula o
reconhecimento, o apoio e fomento aos mestres dos saberes tradicionais nas
atividades de atualização e transmissão dos conhecimentos às novas gerações; a
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2002), que proclama
a necessidade de política de salvaguarda da diversidade cultural e dos direitos
humanos na perspectiva do relativismo cultural; a Convenção sobre a Salvaguarda
do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003), que sintetiza as indicações
sistematizadas e aprimoradas a partir de experiências realizadas em vários
países, ao longo da segunda década do século XX.
Patrimônio imaterial no Brasil
No Brasil, a ideia de patrimônio cultural foi construída ao
longo de um processo histórico que conformou um campo da política pública e
também um campo de estudos acadêmicos. Embora o marco legal para a política de
patrimônio imaterial seja a Constituição Federal de 1988, Fonseca (2005, p. 99)
observa que o anteprojeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), elaborado por Mário de Andrade em 1936, já
apresentava a ideia de que fatos culturais, hoje chamados de imateriais ou
intangíveis, teriam interesse patrimonial para os poderes públicos. Entretanto,
o projeto efetivo de criação da instituição não deu ênfase a este aspecto.
O tombamento, a restauração, a conservação e a fiscalização
foram instrumentos aplicados desde a criação do SPHAN, sob a perspectiva
restrita de um grupo de intelectuais que privilegiava as referências do
processo de colonização europeia e da cultura modernista nacional. Era, então,
definido o patrimônio cultural nacional no qual “(...) um grupo muito reduzido
se reconhece, e referido a valores estranhos ao imaginário da grande maioria da
população brasileira” (FONSECA, 2005, p. 27). Tais instrumentos não se
aplicaram aos fatos culturais dos segmentos populares (como os folguedos, os credos,
os saberes) que, então, eram sistematicamente documentados pelos pesquisadores
e divulgadores das culturas tradicionais populares também nominadas folclore.
Por um lado, os estudiosos do folclore, como Sílvio Romero,
Amadeu Amaral, Edison Carneiro, Mario de Andrade, dentre outros, apresentavam
um Brasil de ricas e variadas tradições, raízes da cultura brasileira. Por
outro lado, anunciavam o risco de desaparecimento desta diversidade cultural em
detrimento de uma cultura tecno-industrial homogeneizante. Em 1947 foi criado
um movimento envolvendo artistas, intelectuais, pesquisadores, diplomatas,
professores: a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro – origem institucional
do atual Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/CNFCP. O trabalho desenvolvido
pela Campanha não era o de declarar fatos culturais como patrimônio nacional de
interesse público, mas o de implementar ações para salvaguardar o folclore e os
conhecimentos tradicionais das camadas populares por meio de pesquisa,
documentação, difusão, apoio e fomento das práticas culturais.
Assim, as duas políticas de Estado, a patrimonialização das
referências históricas e artísticas e a salvaguarda do folclore,
desenvolveram-se paralelamente e voltadas à campos distintos. As culturas
indígenas ficaram à margem das políticas de Estado de preservação e
salvaguarda. Desde o final da década de 1970, foi acontecendo uma mudança de
paradigma, tanto nas políticas de Estado para a cultura, quanto na percepção
geral da ideia de patrimônio nos fóruns internacionais. A dimensão intangível
das culturas, notadamente as expressões do folclore e/ou das culturas populares
tradicionais, passa a ser enfatizada como passível de ações patrimoniais. A noção de tradições populares deixou de ser
vinculada à ideia de passado histórico remoto, a partir da observação de que,
de fato, são referências culturais vívidas na contemporaneidade, signos de
identidades de grupos e comunidades formadoras da sociedade brasileira com
relevância e potencial tecnológico, econômico e cultural. O Centro Nacional de
Referências Culturais/ CNRC, criado em 1975 e extinto em 1979 (incorporado no
organograma do então SPHAN), dentre outras ações, implementou esta perspectiva
em uma experiência que proporcionou, também, a confluência de estudos
acadêmicos e políticas culturais no âmbito federal.
Esta e outras experiências nacionais e internacionais
serviram de base para técnicos especialistas do Estado e representantes de
segmentos da sociedade debaterem durante a Assembleia Nacional Constituinte; e,
como resultado, o conceito de patrimônio imaterial foi apresentado no artigo
216 da Constituição Federal de 1988 como complementar ao conceito de patrimônio
material em uma definição relativista e inclusiva de Patrimônio Cultural
Nacional:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de
expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; II - os modos de criar, fazer
e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
(C.F. de 1988, in: IPHAN, 2006, p. 20)
Com a proclamação da Constituição Federal, intensificou-se o
debate técnico sobre o patrimônio cultural em suas dimensões material e
imaterial, no sentido da implementação de uma política federal. Um dos marcos
desse processo é a Carta de Fortaleza, de 1997, resultado do Seminário
Patrimônio Imaterial: estratégias e formas de proteção (IPHAN, 2000, p. 363).
Posteriormente, o Decreto 3551 de 2000 instituiu o Registro dos bens culturais
de natureza imaterial e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial/ PNPI
(IPHAN, 2006 p. 129). Foram, então, implementados os primeiros instrumentos de
proteção do patrimônio de natureza imaterial: o Registo nos Livros específicos:
(Saberes, Celebrações, Formas de Expressão, Lugares); Programa Nacional de
Patrimônio Imaterial; e o Inventário Nacional de Referências Culturais/ INRC.
Atualmente somam-se dois outros instrumentos: o Inventário Nacional da
Diversidade Linguística/INDL e o Plano de Salvaguarda.
Em 2001 iniciaram-se projetos piloto de inventários e
processos de Registro em algumas Superintendências do IPHAN e no CNFCP. E os
estados e municípios passaram a elaborar e estabelecer suas próprias
legislações e políticas para o patrimônio cultural, seguindo alguns parâmetros
dados pelo Estado e pela Unesco. Como observam Fonseca e Cavalcanti (2008) em
documento sobre políticas estaduais de patrimônio imaterial, algumas unidades
federativas já implementam políticas específicas que não adotaram integralmente
os instrumentos do Estado, como inventários e livros de Registro. Alguns
estados e municípios desenvolveram politicas especificas para o patrimônio vivo
ou mestres das culturas, conforme recomendações da Unesco – perspectiva não
adotada pelo Estado brasileiro até o momento.
Desde o início do Século XXI houve impacto significativo das
políticas para o patrimônio cultural em todo o país, na medida em que se deu a
inclusão de referências culturais das tradições populares de matrizes culturais
africanas e indígenas, as quais foram historicamente excluídas das políticas de
patrimonialização.
Pesquisa e patrimônio cultural imaterial
A pesquisa no campo do patrimônio imaterial tem como
pressuposto a diversidade cultural como lócus de interesse e ação de
reconhecimento oficial. Isso significa que os pesquisadores precisam
relativizar seu próprio ponto de vista, pois o que é ou não é patrimonializável
para ele e sua comunidade pode não ser para outro alguém em outro lugar. Nesse
sentido é crucial o exercício de estranhamento da própria cultura como recurso
metodológico que possibilita o entendimento das referências culturais do outro
em seu contexto.
A metodologia do INRC pode, mas não necessariamente, ser
aplicada para a identificação do patrimônio imaterial. Em geral, utilizam-se métodos
das ciências sociais e humanas para documentar, descrever e analisar os fatos
culturais. A sociologia e a antropologia proporcionam o entendimento da
organização social e simbólica da comunidade, o modo de viver e pensar, os
elementos simbólicos mais relevantes como referências identitárias – signos da
pluralidade cultural passíveis de patrimonialização. A geografia proporciona a
compreensão da base territorial onde se localiza o grupo ou comunidade; a
relação com o meio ambiente, a distribuição espacial, as condições de vida, a
extração, produção e distribuição de riquezas; a construção simbólica do
espaço, da paisagem, as concepções dos lugares; a relação com as outras
comunidades próximas ou distantes. A história proporciona o entendimento do processo
de ocupação do território, os intercâmbios culturais, o desenvolvimento da
sociedade ao longo do tempo; e como se dá a interpretação do passado, a
construção da memória, o registro das referências e histórias de vida dos
sujeitos.
Nos processos de pesquisa para a patrimonialização é preciso
todo o cuidado para evitar a reificação do passado como referência imutável a
ser reproduzida. O que é arrolado nas pesquisas de identificação do patrimônio
imaterial é entendido como contextual e conjuntural; e não é balizador de
autenticidade ou modelo a ser seguido em nome da preservação de uma expressão
cultural. Não há modelo cultural
imutável a ser imposto ou proposto nas políticas de patrimônio imaterial, pois
as culturas são dinâmicas.
Patrimônio imaterial e participação social
Destaca-se que as políticas de patrimonialização da cultura
imaterial se fazem a partir do consentimento prévio e informado, e do diálogo
do poder público com grupos, comunidades e segmentos sociais interessados
nesses processos de pesquisa, instrução de Registro e salvaguarda de fatos
cultuais. A participação social nesses processos de produção de conhecimento,
reconhecimento oficial e salvaguarda, é fundamental para o sucesso da política
de patrimônio imaterial, posto que os bens dessa natureza só podem ser
preservados por meio da ação de seus atores sociais, detentores dos sentidos e
significados. São as pessoas, em suas práticas cotidianas, que atualizam
permanentemente suas tradições e fazem espontaneamente a salvaguarda de suas
referências culturais. Aos poderes públicos cabe a interlocução estreita com as
bases sociais, no sentido da implementação dos processos de patrimonialização;
em cada caso, em função e em respeito às dinâmicas socioculturais de cada
grupo, atuando para facilitar os meios ou as condições de permanência.
A política que vem sendo implementada para o patrimônio
imaterial pelo Iphan é potencialmente inclusiva. Por um lado, inclui no rol dos
bens patrimonializáveis bens culturais que, no Século XX, não eram abarcados
pelas ações do Instituto. Inclusiva também, conforme Vianna, Salama e
Paiva-Chaves (2014, p. 10), pois tem como base o diálogo entre Estado e
detentores das tradições em torno da salvaguarda das referências culturais. As
leis e a vontade política dos poderes públicos, sem dúvida, podem favorecer as
condições para a preservação do patrimônio cultural. Mas, não são suficientes,
especialmente para a proteção do patrimônio imaterial. Os documentos técnicos,
os inventários, a descrição dos bens contidas nos livros de Registro, são
apenas referências sobre os bens, mas não dão conta da natureza dinâmica e
processual dos bens. Os patrimônios imateriais, como as festas e celebrações,
as músicas, danças, comidas, saberes e técnicas próprias da diversidade cultural
só́ se conservarão, efetivamente, se vivenciados pelas pessoas; pelos sujeitos
com motivações em suas comunidades, em condições, com garantias, liberdade e
interesses em vivenciar e preservar, de modo dinâmico e criativo, as expressões
de suas identidades culturais.
Fontes Consultadas:
IPHAN. Coletânea de leis sobre preservação do patrimônio.
Rio de Janeiro: IPHAN, 2006.
IPHAN. Cartas Patrimoniais. 2. ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: IPHAN, 2000.
FONSECA, Maria Cecília L. Patrimônio em Processo: trajetória
da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro:
UFRJ/IPHAN, 2005.
FONSECA, Maria Cecília L; CAVALCANTI, Maria Laura V.C.
Patrimônio Imaterial no Brasil: legislação e políticas estaduais. Rio de
Janeiro: Unesco, Educarte, 2008.
UNESCO. Recomendação sobre Salvaguarda da Cultura Popular
e Tradicional. 1989. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20Paris%201989.pdf>.
UNESCO. Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural.
2002. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>.
UNESCO. Convenção sobre a Salvaguarda do Patrimônio
Cultural Imaterial. 2003. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf>.
VIANNA, Letícia Costa Rodrigues; SALAMA, Morena Roberto
Levy; PAIVA-CHAVES, Tereza Maria Cotrim de. Sem perder a ternura jamais! Notas
sobre a implementação da política de salvaguarda do patrimônio cultural
registrado pelo IPHAN. In: V Seminário Internacional de Políticas Culturais.
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, maio 2014. Disponível em:
<http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2014/06/Let%C3%ADcia-Costa-Rodrigues-Vianna-et-alli.pdf>.
Fonte: VIANNA, Letícia C. R. Patrimônio Imaterial. In:
GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário
IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília:
IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.
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