Tradição e crítica da metodologia de ensino de Filosofia:
filosofar com Role-Playing Game (RPG)
Tradition and critique to the teaching method of Philosophy:
philosophizing with Role-Playing Game (RPG)
Leonardo Marques Kussler*
Resumo: Depois de décadas sem a Filosofia nos currículos da educação básica, em 2008, a disciplina
retorna aos parâmetros curriculares nacionais. Entretanto, desde sua reintrodução nos bancos escolares,
sua metodologia tem sido restringida à abordagem histórico-temática, o que contribui para um ensino
dogmático e, por vezes, antifilosófico. Partindo desse pressuposto, o presente artigo procura: a) repensar a
metodologia do ensino de Filosofia no Brasil; b) propor uma nova abordagem do ensino de Filosofia além
de seu fator de história da Filosofia; c) analisar o sistema educacional imersivo aplicado na Finlândia; d)
apresentar alguns núcleos de pesquisa acadêmica sobre jogos narrativos (RPGs) e a aplicação pedagógica
finlandesa; e) explicitar a relevância de ensinar Filosofia por intermédio de jogos narrativos. Com isso,
ao final, esperamos contribuir para uma reflexão acerca da necessidade de um ensino mais interativo e
construtivo, em que os educandos tenham mais voz ativa no processo de compreensão e instauração de
sentido no próprio aprendizado.
Palavras-chave: Educação Brasileira. Ensino de Filosofia. Formação Filosófica. Role-Playing Game. Jogo.
Abstract: After decades without Philosophy in the curriculum of basic education, in 2008, the discipline
returns to national curriculum guidelines. However, since its reintroduction in schools, its methodology
has been restricted to historical and thematic approach, which contributes to a dogmatic and perhaps
antiphilosophic teaching. From this perspective, this article aims to: a) rethink the methodology of philosophy teaching in Brazil; b) propose a new approach of philosophy teaching beyond the feature of history
of philosophy; c) analyze the immersive educational system applied in Finland; d) present few research
cores on academic research about narrative games (RPGs) and the Finnish pedagogical application; e)
explicit the relevance of teaching philosophy via narrative games. Thus, at the end, we hope to contribute
to a reflection on the need for a more interactive and constructive education, in which the students have
more active voice in the process of understanding and instauration of meaning in their own learning.
Keywords: Brazilian Education. Philosophy Teaching. Philosophical Formation. Role-Playing Game. Game.
Introdução
Após a supressão do ensino de Filosofia, a partir da década de 60, no Brasil, o ensino
de Filosofia contemporâneo e formalmente reconhecido já conta com oito anos de
história. Nesse ínterim, organizaram-se diversos eventos e material didático para
apoio e orientação dos profissionais da área. Entretanto, parece-nos que a maior parte
das iniciativas para o ensino filosófico na educação básica sugere uma composição
ainda tecnicista e exclusivamente focada na história da Filosofia. Assim, o presente
artigo expõe: a) a releitura do mapeamento do ensino de Filosofia contemporâneo;
*
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: leonardo.kussler@gmail.com
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Tradição e crítica da metodologia de ensino de Filosofia...
b) a proposta de uma nova metodologia de ensino filosófico ainda não aplicada no
Brasil, não baseada exclusivamente na história da Filosofia; c) o exemplo da reforma
educacional realizada na Finlândia, que descentralizou as disciplinas e adequou seu
ensino em uma lógica mais transdisciplinar; d) a pesquisa acadêmica sobre jogos
narrativos (RPGs) e sua utilização na educação na Finlândia; e) o ensino com jogos
narrativos, a descrição e a exemplificação da utilização em aulas de Filosofia.
Na primeira seção, abordaremos a situação atual da formação e educação filosófica
brasileira, destacando algumas metodologias tradicionais e suas limitações, o apoio
legal que contribui para a presente situação, os parâmetros curriculares de Filosofia
no Ensino Médio e as sugestões do Ministério da Educação no que tange ao ensino
filosófico a ser proposto nas escolas. Nosso objetivo, aqui, é destacar por que o ensino
de uma disciplina que se propõe, em seu preâmbulo, a ser fomentadora e propositora
de [auto]crítica e instigadora de pensamentos livres e não convencionais acabou
se conformando com um ensino deveras dogmático, histórico e pouco convidativo.
Sublinharemos características já exploradas por pesquisadores acadêmicos que já se
ocupam da pesquisa sobre o ensino de Filosofia no Brasil, reforçando que o anseio
por uma reforma educacional, especialmente quanto ao método de ensino, é antiga,
porém, anda a passos lentos. Destacaremos, pois, que o principal problema é que a
Filosofia não está sendo disposta como um espaço em que imperam o livre pensamento
e a criticidade aberta ao sistema educacional brasileiro — como era de se esperar
—, mas, antes, como um ambiente que reproduz modelos de discursos filosóficos.
Na segunda seção, exporemos a possibilidade de uma resposta ao problema suscitado na seção anterior, a saber, a utilização de uma metodologia de ensino filosófica
inovadora, que segue parâmetros da educação desenvolvida na Finlândia, país que,
atualmente, figura como um dos primeiros colocados na avaliação do PISA. A meta
dessa seção é explicitar o que é o Role-Playing Game (RPG) e como ele pode ser aplicado
como ferramenta de ensino filosófico, sem interferir drasticamente no conteúdo
tradicionalmente aceito, mas tornando a filosofia mais convidativa e interessante
do ponto de vista pedagógico. A ideia é expor que o RPG é um jogo de interpretação
de personagens que cria um ambiente de discussões mais livre, permitindo que alunos interpretem determinados personagens e, nesse jogo representativo, sintam-se
mais à vontade para expor seus pensamentos e argumentar sobre temas filosóficos.
Adicionalmente, mostraremos a proposta de núcleos de pesquisas acadêmicas sobre
o RPG em universidades finlandesas, bem como abordaremos propostas e resultados advindos desses projetos de pesquisa, com vistas a enfatizar a relevância de um
método educacional que protagonize a opinião justificada, a participação ativa e a
prática da oratória e da argumentação filosófica.
Como proposta de solução à problemática metodológica do ensino de Filosofia,
propomos a criação de ambientes discursivos livres nas salas de aula, que são propiciados pelo jogo de interpretação de personagens (RPG), que permite que alunos
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interpretem papéis de personagens criados por eles mesmos e que, nesse simulacro
representacional, discutam questões e temas relacionados aos seus problemas existenciais, sociais, políticos, éticos etc. Explicitaremos, ao final, alguns resultados de
aplicações em sala de aula realizados pelo autor deste artigo e algumas exemplificações
de como conduzir uma narrativa filosófica que faça sentido aos jovens e os cative
para o processo de um filosofar mais crítico e autêntico.
A educação filosófica brasileira contemporânea
Metodologias de ensino convencionais
e os limites da formação docente
A educação contemporânea em países emergentes clama por mudança e inovação.
Na realidade brasileira, definida dentro de uma perspectiva de país latino-americano
em desenvolvimento, não é diferente. Especialmente a partir da década de 60, em
plena ditadura militar, planos de alfabetização populares, que utilizavam o sistema
Paulo Freire, por exemplo, foram cortados em benefício a bolsas de estudos destinadas a escolas particulares e formação técnico-científica para formação de recursos
humanos e mão de obra qualificada no país (GATTI JÚNIOR, 2010). Embora alguns
indicadores atuais do INEP e do Ministério da Educação mostrem alguns avanços
nos índices de evasão escolar, analfabetismo e distorções regionais na educação
brasileira, ainda há muitos elementos basilares de nosso sistema educacional que
deixam a desejar (BRASIL, 2013).
Um dos elementos mais importantes, mas que não é considerado nessas pesquisas,
é o da metodologia de ensino, tanto na formação de professores quanto na formação
destes com seus alunos. Desde a reinstituição legal da disciplina de Filosofia nos
currículos nacionais brasileiros, em 2008, não se discutiram mudanças acerca da
metodologia tradicional aplicada nesta. Seria natural que, por se tratar de uma área
de conhecimento que prima pela proposição do pensamento livre, da criticidade e do
diálogo, fosse tácita a concordância de que o ensino de Filosofia deveria ser diametralmente oposto ao ensino de outras disciplinas que exigem uma perspectiva mais
conteudista, por assim dizer. Entretanto, infelizmente, esse não é o caso, visto que
o que origina a proposta do presente estudo é, justamente, a constatação de que a
Filosofia, desde sua obrigatoriedade no ensino médio, via de regra, tem seguido a
mesma lógica das demais disciplinas, regida, também, por um caráter de reprodução
de conhecimento e apassivamento do educando.
Podemos atestar que parte da culpabilidade está na própria formação dos docentes,
nas universidades. Na década de 90, o Prof. Oswaldo Porchat Pereira (2010), em
seu célebre discurso aos estudantes e pesquisadores de Filosofia, afirmara, em uma
espécie de mea culpa, que o que estavam fazendo, no Brasil — e continuam a fazer,
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mormente, até hoje — é boa história da Filosofia, mas não Filosofia. É natural, pois,
que professores formados com tais elementos reproduzam tal mote para seus alunos
em suas respectivas escolas. Isso porque seus impulsos filosóficos, tão presentes no
início do curso, enquanto o futuro professor ainda é um jovem sonhador e abstrativo, tornam-se quase que totalmente ausentes ao término da formação docente e
profissional do professor de Filosofia. De acordo com Schopenhauer (2001), isso
se mostra na diferenciação entre o professor universitário e o filósofo, pois enquanto
o primeiro segue uma doutrina pré-estabelecida e reproduz um sistema um tanto
dogmático, o segundo propõe um pensamento livre, crítico, original, implicado ao
seu modo de ser. Obviamente, isso se reproduz, na mesma escala, com a mesma
intensidade — ou, por vezes, até mais — na pós-graduação, em que pesquisadores
de mestrado e doutorado desenvolvem suas pesquisas sob os auspícios da melhor
tradição estruturalista, de interpretação e apreensão de tradições filosóficas ou um
tema específico de um autor dentro de determinada tradição.
Seguindo o mote kantiano, aprendemos de fato a filosofar ou a filosofia? (KANT,
1999). Aliás, sendo bem honestos conosco mesmos: estamos aprendemos a filosofar?
Aprendemos o procedimento de pensar criticamente e desenvolver uma tese filosófica
acerca de um tema específico escolhido e desenvolvido ao nossos bel-prazer? Pode-se
considerar um pensamento como crítico e livre quando repetem-se e memorizam-se
jargões filosóficos e teses e posições filosóficas consagradas de autores renomados? A
ideia de filosofar, do verbo que expressa uma busca amorosa e desinteressada pelo saber
está sendo realmente aplicada? Por que não fomentar os impulsos filosóficos e originais
dos estudantes de Filosofia em seus cursos de graduação e, posteriormente, manter
esse cuidado e essa orientação aos adolescentes, alunos de escolas de ensino médio?
De acordo com Gallo (2008), a filosofia consiste de um exercício conceitual, que compreende âmbitos como o da oralidade, da escrita e da representação organizada e
proposicional. Contudo, isso é completamente diferente e extremamente complexo
quando se trata de educação básica, com educandos que não dispõem de uma tradição filosófica e são inseridos em um modus philosophandi extremamente restritivo,
com base em conceitos de grandes pensadores e seus sistemas filosóficos. Há uma
perspectiva muito voltada à reprodução e ao treinamento para que se pense de acordo
com determinado autor, o que é, no mínimo, antifilosófico. Como afirma Gallo (2008,
p. 73), “[...] uma tal metodologia do ensino da filosofia não investe na vivência de
experiências de pensamento”, isto é, não propõe o que Kant concebera como uso da
razão autônoma, uma vez que não promove um exercício, uma prática, uma meditação
sobre as próprias articulações do pensamento individual.
O problema, parece-nos, está no incentivo a um ensinar a pensar, que promoveria
maior autonomia, desenvolvimento e alteridade com relação aos diferentes discursos,
às formas de pensar heterodoxas e heterogêneas. Precisamos de uma proposta de
ensino de Filosofia que vise o desenvolvimento de conceitos idiossincráticos, de opi-
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niões justificadas, de argumentos propostos em um ambiente propício e acolhedor dos
mais variados discursos filosóficos. Enquanto que o projeto filosófico deveria propor
maiores problematizações, somos levados a crer que nossa proposta educacional filosófica promove simplificações, o que tolhe amargamente experiências propriamente
filosóficas. Obviamente, reconhecemos o valor da tradição e da necessidade de se abordar a história da Filosofia, que, por sua vez, é um compêndio conceitual, mas apenas
se seguimos adiante a partir disso, não nos encerrando e reprimindo a criatividade e
a liberdade discursiva de cada estudante. A proposta deve ser algo como ouvir vozes
antigas para produzir novas vozes, isto é, compreender conceitos para problematizar,
com ele, novos conceitos, compor novos problemas filosóficos.
A tarefa mais essencial do professor deve se basear no intuito primordial da maiêutica socrática, em que este se torna um facilitador, um parteiro de ideias, auxiliando
novas ideias a virem à tona. Para que isso ocorra, acreditamos que seja necessário
repensar a metodologia de ensino do ponto de vista pedagógico e legal, analisando
o que está sendo produzido com o presente método estruturalista historiográfico e
o que se sugere com a legislação contemporânea de diretrizes e bases educacionais
brasileiras. Na próxima seção, abordaremos o aparato legal e os parâmetros curriculares indicados pelo Ministério da Educação do Brasil, de modo a compreender
melhor as exigências e refletir sobre a aplicabilidade e a busca de resultados por
formação e educação filosóficas mais adequadas. Também refletiremos sobre o uso
de livros didáticos e a restrição da metodologia filosófica, que se atém em temáticas
e autores específicos da história da Filosofia, mesmo que a ênfase seja com relação
à promoção da cidadania e da criticidade dos jovens.
Sugestões dos parâmetros curriculares e da legislação específica
Desde a instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 9.394/96,
em seu art. 36, já se falava em necessidade de domínio dos conhecimentos de Sociologia e
Filosofia para o exercício da cidadania (BRASIL, 1996). Entretanto, até alguns anos atrás,
por ocasião da Lei 11.684/08, a Filosofia e a Sociologia não eram disciplinas de caráter
obrigatório nas escolas, o que permitia que outras disciplinas tivessem o dever de abordarem, transdisciplinarmente, aspectos da próprios dessas áreas – o que, na prática,
resultava em conduções simplistas que careciam de uma abordagem mais pormenorizada e adequada às duas áreas do conhecimento. Contudo, oito anos após a validação
da referida lei, o quadro modificou-se pouco em todo o Brasil, pois: a) há professores de
outras áreas de formação lecionando Filosofia; b) há um apego aos livros didáticos de
Filosofia, que são organizados por temas ou cronologicamente, por autores ou períodos
da história da Filosofia; c) as aulas, em grande parte, seguem a lógica tradicional de
leitura de textos e exegese, com raras discussões e adequação à realidade dos educandos.
Como bem se sabe, a introdução da Filosofia e da Sociologia nos currículos nacionais
foi e ainda está sendo problemática, pois, inicialmente, foi vetada, em 2001, pela supo-
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sição falaciosa de que afetaria o orçamento da Educação, além da crítica – esta, de fato,
bem fundada – de que, à época, não havia professores formados na área à disposição
das secretarias estaduais de educação e das redes privadas de educação (FÁVERO et
al., 2004). É óbvio que não somos hipócritas a ponto de desconstruir todo o trabalho
já realizado para que as duas áreas fossem contempladas e incluídas, mesmo que
parcialmente, nos bancos escolares, o que possibilitou, de alguma forma, que ambas
fossem abordadas não apenas transversalmente, mas especificamente, supostamente
com professores qualificados e formados nas respectivas áreas de conhecimento.
Ironicamente, mesmo não havendo obrigatoriedade em ensinar apenas história da
Filosofia, enquanto os livros didáticos sugerem e apontam para um ensino focado na
história da Filosofia, isto é, uma metodologia reprodutiva, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) objetivam a criticidade e a promoção da cidadania (BRASIL, 2000).
Indiretamente, temas como ética, cidadania e pensamento crítico são cotejados como
parte essencial da proposta filosófica no ensino médio brasileiro, no entanto, “Os
conhecimentos de Filosofia devem ser para ele vivos e adquiridos como apoio para
a vida, pois do contrário dificilmente teriam sentido para um jovem nessa fase de
formação” (BRASIL, 2006, p. 28). Ora, por meio desse trecho é possível afirmar que
o foco principal não se encontra necessariamente na história da Filosofia, tampouco
na reprodução de discursos filosóficos e seus respectivos autores consagrados. Em
outro documento orientador, afirma-se que o objetivo principal de difusão e a
finalidade filosófica definem-se em aspectos estéticos, éticos e políticos, de modo
que a perspectiva da cidadania, do exercício e da participação no meio político, da
sensibilidade, da solidariedade, do respeito às diferenças, dos direitos humanos e
da participação democrática (BRASIL, 2000).
Não há restrições quanto à metodologia aplicada no ensino, visto que o que é solicitado é que se abordem, eventualmente, textos filosóficos e se faça leitura filosófica
de textos não especificamente filosóficos. Além disso, espera-se que a Filosofia lide
com outras disciplinas, com outras formas de conhecimento e promova a tessitura
de diferentes articulações entre as mais variadas formas de expressão cultural e
de conhecimento, funcionando muito mais como uma propedêutica formativa, que
dá base e sustentação a outras áreas, do que, propriamente, como uma disciplina
que exige sabatinas de conhecimentos específicos de bacharéis em Filosofia, que,
supostamente, devem ter maior domínio da história da Filosofia, dos modos argumentativos, de como articularem-se em seus discursos, defender teses etc. Outro
fator importante a ser destacado é a função filosófica de promover a contextualização
dos conhecimentos à esfera existencial, pessoal, social, econômico, histórico, social
etc. Desse modo, mais uma vez, a Filosofia é mais um medium, um ponto de apoio
que constrói pontes entre aspectos normalmente tratados de forma desconexa.
Outras das funções presentes no PCN em que a Filosofia se encontra é o da escrita
significativa e reflexiva e o do debate argumentativo (BRASIL, 2000).
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É claro que para contribuir para a formação de um jovem cidadão, além de leituras e
discussões em sala de aula, a filosofia deve promover uma maior participação e um
engajamento nos discursos políticos-democráticos — o que não deve ser compreendido
como doutrinação ideológico-partidária. A referência, aqui, se dirige muito mais à
capacidade de promoção filosófica para que estudantes acedam ao discurso filosófico,
para que, como promove Gadamer (1999), consigam apropriar-se do conhecimento
de forma mais singular e significativa, instaurando sentido, historicamente conscientes de si mesmos, da própria subjetividade e dos pré-juízos formadores de sua
ipseidade e de seu ser-no-mundo. Novamente, sujeitos de ação política e cidadãos
são formados agindo politicamente e exercendo sua cidadania, e isso se promove na
participação da resolução de conflitos na vida pública e na tentativa de melhoria da
vida em comunidade por cada um dos indivíduos.
A Filosofia desconectada do ser humano, do estudante que experiencia sua vida diariamente, tem anseios, com a subjetividade em formação, não pode ser bem-sucedida,
uma vez que “A Filosofia é teoria, visão crítica, trabalho do conceito, devendo ser
preservada como tal e não como um somatório de ideias que o estudante deva decorar”
(BRASIL, 2006, p. 35). É nesse sentido, por exemplo, que Tomazetti (2012) defende
que a Filosofia não poderia, desde o início de sua obrigatoriedade nos currículos do
ensino médio brasileiro, ser ensinada pelos bacharéis em Filosofia, que não teriam
condições, à época, de lecionar e ensinar uma Filosofia facilmente reconhecida e
respeitada pelos educandos. A dificuldade encontra-se especialmente na incapacidade de alguém formado de forma restritiva aos parâmetros da história da Filosofia,
visto que isso dificulta o exercício filosófico como forma de pensar sobre si, sobre o
mundo circundante, sobre a realidade histórica em que se vive, pois a ênfase estaria
exclusivamente na análise conceitual de outrem.
Aliás, podemos afirmar que a ideia de formar professores de Filosofia nunca foi
prioridade real em nenhum curso de Filosofia Brasil afora. Prova disso é que, até
hoje, os cursos de Filosofia brasileiros não objetivam formar bons professores, mas
encaminhá-los para a pós-graduação, já pressupondo que o trabalho de professor
secundarista seja algo de segunda classe ou, ao menos, de menor valia. Apesar de
transparecerem preocuparem-se com o ensino de Filosofia, promover inúmeros
congressos ao longo das últimas duas décadas, a preocupação efetiva com a formação
do professor e do aspecto educacional e pedagógico do docente em Filosofia é praticamente nula. Isso se mostra pelo perfil da formação de licenciados em Filosofia, que,
na maior parte dos casos, é de um bacharel com algumas disciplinas pedagógicas
em geral, que não se ocupam de discutir questões teóricas e práticas concernentes
ao ensino de Filosofia.
De modo geral, se analisarmos os principais objetivos e propostas do ensino filosófico nos últimos anos da educação básica, constataremos que a principal preocupação diz respeito à formação de cidadãos e de sujeitos ético-políticos. Entretanto,
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como fazer isso? Que tipo de metodologia deveria ser adotada para que se transparecesse essa demanda? Como propor um espaço de liberdade discursiva, de participação
do grande grupo e de representação de discursos individuais em sala de aula? É para
responder a essas questões que, na próxima seção, desenvolveremos uma alternativa
teórico-prática, que, usada em sala de aula, surtiu efeitos positivos, que corroboram
a tese de que é possível ensinar Filosofia com base em uma perspectiva mais prática,
menos restrita ao seu caráter histórico-conceitual sem, com isso, ferir as sugestões
e indicações dos PCN e das diretrizes educacionais nacionais.
O RPG como forma de romper o paradigma
do ensino tecnicista na filosofia
O que é o RPG?
Em primeiro lugar, vale explicitar objetivamente o que é o RPG. A sigla surgiu no
início da década de 70, nos EUA, quando dois amigos e parceiros de negócios, Gary
Gygax e Dave Arneson criaram o primeiro modelo de Role-Playing Game, o Dungeons
and Dragons (GYGAX; ARNESON, 1974). Role-Playing Game (RPG) significa jogo de
interpretação [de personagens], pois a ideia principal é que se interprete papéis, como
se fosse um teatro, mas em uma perspectiva narrativa. Portanto, o RPG é um jogo
que promove o desenvolvimento de uma história, que é criada e narrada por um dos
jogadores – que é chamado de mestre ou narrador –, que é responsável por desenvolver a
trama e colocar os demais jogadores para participarem dela. Assim, o objetivo principal
do jogo é criar situações em que cada um dos personagens, interpretados por seus
jogadores, possa participar, propor soluções para resolver problemas, ajudarem-se
mutuamente etc. Apesar de já há algum tempo existirem RPGs de computadores e
videogames, aqui, referimo-nos apenas ao Tabletop RPG, isto é, o jogo de interpretação
de lápis e borracha, em que se cria a história escrita e se narra presencialmente, com
jogadores que se encontram em um mesmo ambiente – normalmente em redor a
uma mesa – e desenvolvem a trama conjuntamente.
Inicialmente, a narrativa dos RPGs correspondia a um apelo por criar histórias de
fantasia medieval, mas, atualmente, pode ser baseada em livros em geral, filmes,
história factual. Isso decorre do fato de que, do primeiro sistema de RPG surgiram
diversos outros, com uma roupagem mais contemporânea, com ambientações
futuristas, de ficção científica, entre outros. Houve, inclusive, produção com temas
nacionais e folclóricos, como no caso de O desafio dos bandeirantes – aventuras na
Terra de Santa Cruz, que propõe uma aventura no período Brasil Colonial, em meados do séc. XVII, com figuras de lendas e do folclore brasileiro, como o Curupira,
Boitatá, Iara etc. (KLIMICK; RICON; ANDRADE, 1992).
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Além disso, o RPG já foi utilizado pela Psicologia para desenvolver terapia de
psicodrama, em que se criam personagens e uma história para que pacientes, de
forma teatral, recriem superem ou simplesmente elaborem fobias, traumas e/ou
dificuldades em suas vidas. Assim, no psicodrama, conforme os pacientes participam
da história, que é um simulacro representacional da vida fática, sentem-se mais
livres e abertos para falar de determinados assuntos, pois, pelo fato de estarem
imersos em um ambiente lúdico e de ilusão, participam de forma mais ativa e sem
ressaibos da recepção de outrem com relação ao seus pontos de vista (RODRIGUES;
YUKIMITSU, 2014).
Há, também, as Teorias de RPG, em que se estudam as interações sociais e artísticas
com o fim de compreender melhor tais fenômenos podem estar implicados a ações
que ocorrem em jogo, isto é, enquanto se interpretam personagens no ambiente
fantasioso e lúdico. Além disso, há inúmeras pesquisas que enfatizam o impacto
dramático, de simulação ou narração que os jogos de RPG têm nos indivíduos que o
jogam. Desenvolvedores de jogos e economistas também utilizam-se dessas teorias
para prever comportamentos de jogadores/consumidores, pois, dadas determinadas
variáveis, há um número um pouco restrito de alternativas mais favoráveis, que serão
escolhidas de acordo com mais ou menos estímulos dramáticos, de simulação etc.
Outra questão bem forte e presente nos RPGs é o número de temáticas possivelmente
abordadas nas aventuras narrativas desenvolvidas. É possível, por exemplo, abordar
problemas socioeconômicos e políticos, como, por exemplo, a divisão de riquezas
em determinada comunidade, classes sociais, sistemas políticos e de governo, questões de diferenças étnicas, culturais, de gênero etc. Portanto, jogos de RPG também
funcionam como uma ferramenta de discussão e de colocar em xeque determinados
conhecimentos prévios, determinados pré-conceitos que cada jogador assume antes
do jogo e que, durante a situação de inludere, isto é, de estar em jogo, estar na ilusão,
que não é o mesmo que estar simplesmente iludido.
Assim, o RPG pode ser utilizado como ferramenta de aprendizagem e ensino, pois
abre espaço para discussão de diversos temas sob diferentes perspectivas, em um
ambiente que reúne o lúdico, a frivolidade, mas, também, a seriedade na participação desse jogo envolvente. A seguir, explicitaremos como o RPG pode ser utilizado
especificamente no ensino e como essa experiência está sendo abordada em outros
países, com resultados absolutamente positivos, como no caso da Finlândia, que,
como veremos, encontra-se entre os países com melhores avaliações de rendimento
educacional no teste do PISA (Programme for International Student Assessment/
Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
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RPG e educação na Finlândia
A potência do ensino alternativo: o exemplo finlandês
Após apresentar brevemente alguns aspectos da prática educacional brasileira no
âmbito filosófico – tanto nas universidades quanto em seu reflexo na educação
básica –, mostramos como tal situação contemporânea é sintomática e emblemática,
do ponto de vista formativo, pois acaba formando profissionais pedagogicamente
desarticulados e educandos frustrados pela atenção extremamente restrita à história
da Filosofia. Nesta seção, pretendemos abordar um pouco da dimensão da educação da Finlândia, que, já há alguns anos, aborda a educação de uma forma muito
alternativa e diferente dos demais países, incluindo, inclusive, práticas educacionais
com RPG, contando, inclusive, com núcleos de pesquisas acadêmicas sobre o tema.
No teste do PISA, a Finlândia tem figurado como um dos melhores colocados, colocando-se em 5.°, 6.° e 12.°, respectivamente, em Ciências, Leitura e Matemática
(BRASIL, 2012). Apesar de países asiáticos, como China, Cingapura, Coreia e Japão
terem ascendido abruptamente na última avaliação, o país nórdico continua equilibrado e segue instigando inúmeros pesquisadores da Educação do mundo inteiro,
inclusive no Brasil. Não se trata apenas dos resultados obtidos no PISA, mas no que
diz respeito à reforma educacional realizada no início da década de 90 e que, agora,
rede frutos inestimáveis àquela nação. Além disso, os bons resultados e as experiências positivas na Educação não dizem respeito apenas ao investimento e ao mito das
turmas pequenas, mas a uma cultura que valoriza o próprio sistema educacional, o
professorado, a adoção da transdisciplinaridade em todas as escolas etc. O que se
apresenta no país nórdico é uma combinação harmoniosa de equidade educacional,
universalização da educação, boa remuneração e prestígio dos professores, cultura
de alunos que se sentem à vontade e querem estar na escola, projetos de transdisciplinaridade envolventes e que estimulam os alunos a serem mais autônomos e buscar
soluções colaborativas (BRITTO, 2013).
O foco da educação finlandesa aposta sobremaneira na valorização do professor, de modo
que se trata de uma profissão prestigiada e bem remunerada. Obviamente, para escolher
professores às escolas públicas e privadas, os profissionais fazem curso de preparação,
teórico e prático – que conta com pesquisa, abordagem didático-pedagógica, diagnóstico
de alunos com dificuldade e diversos estágios –, para que, por fim, possam assumir alunos
e desenvolver trabalhos em sala de aula. Quanto à formação destes, basta dizer que o
professorado necessita de, ao menos, mestrado para lecionar em qualquer escola, o que
qualifica e determina a formação dos educandos. Sobre a atuação desses profissionais,
vale ressaltar que possuem total autonomia para desenvolver suas atividades, além de
trabalharem apenas 180 minutos diários, o que corresponde a meio turno, recebendo
pelo turno integral, pois contabiliza-se o tempo de pesquisa, avaliação e preparação de
aulas no contraturno como parte do trabalho (BRITTO, 2013).
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Com relação ao sistema de avaliação, é importante registrar que não é comum utilizar
um modo avaliativo único e verticalizado, como ocorre no Brasil, por exemplo, em
que todas as escolas são alocadas sob um mesmo âmbito e avaliadas igualmente. Os
gastos com avaliação são muito menores do que os empregados em outros países, e
a ideia de não enfatizar a avaliação nacional faz com que os alunos não sejam estimulados a apenas estudar para os exames, mas para prepararem-se realmente para
a vida. Jovens estudantes que percebem que a educação é parte da formação de seu
modo de ser percebem, também, que sua formação tem relação direta com seu caráter, com seu papel em sua comunidade e o alcance de sua participação sociopolítica.
Uma das ênfases do sistema educacional finlandês concentra-se no aspecto social e
na equidade educacional, isto é, a demanda social é muito importante e abordada nas
escolas, assim como a resposta por essas demandas, com base em projetos a serem
desenvolvidos nessa seara. Com base na orientação de projetos colaborativos e cooperativos, a Finlândia destoa do sistema educacional que é comparativo, competitivo e
desestimulante, como na maioria dos países. Aliás, o foco na resolução de problemas
tem muito a ver com o processo de utilização de metodologias alternativas no
sistema educacional, como o próprio RPG, que, como veremos a seguir, desenvolve
justamente esse tipo de habilidade.
Pesquisas acadêmicas sobre o RPG na Finlândia
Especificamente sobre as pesquisas de RPG, podemos destacar os centros de pesquisa
em Turku, Tampere e Helsinki, todos polos de pesquisa localizados na Finlândia. A
University of Tampere possui cursos de pós-graduação stricto sensu e lato sensu, além de
contar com o Game Research Lab, que conduz a maior parte das pesquisas sobre RPG,
jogos digitais, jogos sociais e mídia, interação e comunicação social, cultura de jogos,
ambientes de aprendizagem etc. A University of Turku também possui um centro de
pesquisas sobre jogos, o Turku Game Lab, que desenvolve pesquisas especialmente
relacionadas ao desenvolvimento de jogos tipo puzzle, em que o jogador deve resolver
problemas, com uma perspectiva mais educacional. Já na University of Helsinki, o
responsável pelas pesquisas sobre estudo, criação e desenvolvimento de jogos é
o Media Lab Helsinki, que elenca pesquisas sobre evolução midiática e tecnologia,
práticas colaborativas em jogos, ambientes educacionais com jogos, narratividade
em novas mídias etc.
Especificamente sobre o RPG, podemos destacar o grupo dos professores Markus
Montola e Jaakko Stenros (2004, 2008), da Universidade de Tampere, que publicou
coletâneas sobre o RPG e sua relação com a semiótica, o teatro, a educação, o desenvolvimento de jogos, linguagem e teoria da interpretação, entre outros. Além deles,
há um grupo dinamarquês, que publica e organiza eventos com apoio dos grupos
finlandeses, liderado pelos professores Thorbiörn Fritzon e Tobias Wrigstad (2006),
que teorizam e desenvolvem pesquisas focadas na utilização do RPG como forma de
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Tradição e crítica da metodologia de ensino de Filosofia...
educação aplicada na Dinamarca – além de eventos itinerantes sobre RPG que passam
também pela Finlândia, Suécia e Noruega, na chamada convenção nórdica anual de jogos
de interpretação. Fica claro, pois, que há apoio institucional não apenas das universidades, que apoiam as pesquisas desse tema, mas também do Estado, representado
pelo Ministério da Educação da Finlândia, e da iniciativa privada, de empresas que
investem em pesquisas sobre jogos e suas inter-relações. Há um envolvimento por
parte da universidade em desenvolver projetos que digam respeito à realidade do
país, dando resposta às demandas sociais, políticas e econômicas.
Uma vez que o ensino finlandês se baseia na imersão e na resolução de problemas, é
natural que se enxergue uma grande possibilidade de usar jogos narrativos, que
têm como objetivo principal a resolução de problemas, a interação discursiva e o
desenvolvimento de tramas narradas. Como afirma Heliö (2004), nos RPGs não há
preocupação com as condições para vitória, pois o objetivo principal do jogo não é sair
vitorioso, mas o processo, a experiência de jogo que envolve diferentes jogadores que
interpretam diversos personagens, como em um teatro, em que atores interpretam
inúmeros papéis. A imersão nas histórias de RPG são grandes, podendo provocar
experiências emocionais que extrapolam o jogo – por isso a relação com a formação
de um jogador e/ou como terapia de um paciente, como no caso supracitado do
psicodrama. O ponto é que, após o término do ambiente e do tempo de jogo, do
momento de ilusão espontânea e autoimplicada, o jogador continua assimilando
todo o conteúdo elaborado e processador durante a experiência de jogo.
Ainda no âmbito da educação, o RPG pode ser utilizado como forma de simulação de
situações da vida cotidiana dos educandos – como será mostrado especificamente,
no caso da Filosofia, na próxima seção. Como destaca Larsson (2004), a simulação
propiciada pelo RPG auxilia os estudantes a propor questionamentos relevantes e
buscar informações para melhor desempenhar seu papel interpretativo. Consequentemente, quem busca interpretar melhor seu personagem acaba adquirindo diferentes
tipos de conhecimento, que, indiretamente, fazem parte de sua formação, mas de
forma lúdica e autônoma. Além disso, como parte da educação, hoje, deve enfatizar
e desenvolver a inovação e a criatividade, o RPG figuraria como peça fundamental na
consecução bem-sucedida desse projeto. Uma vez que os jogadores têm que sair de
enrascadas narrativas e criar soluções rápidas para dar seguimento ao jogo, isso acaba
criando um hábito cognitivo e mental nos jogadores, que levam isso para a resolução
de problemas em suas vidas extrajogo. Para ensinar dessa forma, isto é, que prioriza
a criatividade e a autonomia de alunos com o RPG, precisamos praticar como usar
o conhecimento de modo intercontextual, propondo projetos além dos parâmetros
tradicionais e além dos muros de escolas ou universidades (HENRIKSEN, 2006).
A educação que utiliza jogos narrativos em sua metodologia promove experiências
que instauram novos sentidos nos jogadores/alunos. A Dinamarca, além da Finlândia,
também utiliza pioneiramente o RPG diretamente em sala de aula. De acordo com
Hyltoft (2008), esse procedimento faz com que se crie um novo patamar de interação
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entre professor e aluno, e um desenvolvimento de unidades narrativas, que propõem
um ensino mais fluido, em que os alunos são convocados a resolver problema de
modo colaborativo para superar desafios do próprio jogo. Nesse sistema também há
uma intencionalidade de abolir os temas de casa, pois o foco é trazer os alunos para
dentro da sala de aula, para que percebam que aquele é o lugar de aprendizagem
compartilhada, que prioriza o convívio mútuo e a troca entre os colegas, professores
e demais membros do ambiente de aprendizagem.
A seguir, destacaremos como utilizar o RPG em aulas de Filosofia brasileiras. Mostraremos como é possível propor aulas interativas, imersivas e interpretativas tanto
na teoria quanto na prática, aliando o currículo tradicional, as propostas governamentais do Ministério da Educação e dos parâmetros curriculares nacionais. Além
disso, explicitaremos a capacidade de aprendizagem por meio do jogo narrativo/
interpretativo e o ambiente discursivo criado por conta do próprio jogo, que, além
de desenvolver conteúdos próprios da disciplina, abre portas para inúmeros pontos
de apoio existenciais, sociais, políticos etc.
Como usar o jogo narrativo (RPG) em aulas de Filosofia?
Com base no supracitado, não é necessário reforçar a possibilidade de fazer uso da
metodologia do RPG em salas de aula. Entretanto, quanto às aulas de Filosofia, é
interessante ressaltar que não foram encontrados subsídios teóricos, como descrições de atividades desse tipo em escolas brasileiras no ensino da disciplina. Portanto,
reforçamos o pioneirismo e o caráter experimental proposto pelo autor do presente
estudo, que objetiva: a) mostrar alguns aspectos teóricos do RPG que têm ligação
direta com a Filosofia; b) descrever alguns exemplos de aulas propostas com essa
sistemática; e c) justificar como as aulas imersivas na narratividade não contrariam
o padrão de ensino de Filosofia brasileiro.
Partindo do pressuposto de que Filosofia é uma tentativa de compreender e explicar
o real de forma racional, argumentativa, especulativa e proposicional, facilmente
definiríamos o elemento filosófico como algo que cria discursos sobre as coisas. Ora,
criar discursos para explicitar o real é tentar elevar os fenômenos da vida à linguagem
conceitual, que define ideias e as marca como forma como seres humanos compreendem-se a si mesmos e a realidade. Contudo, para propor espaços discursivos e de
discussão filosófica em sala de aula é preciso de um professor qualificado e empenhado
em preservar a liberdade dos alunos, de modo que estes tenham oportunidade de se
expressão e criação. Esse tipo de atitude – de liberdade de alunos em um ensino mais
colaborativo – deve partir especialmente do professor, que deve preparar-se para criar
um ambiente em que os alunos se sintam à vontade para lançar suas propostas em
meio à sala de aula.
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Tradição e crítica da metodologia de ensino de Filosofia...
Em 2010, em meio aos estágios de docência realizados em uma escola pública estadual
do município de Montenegro/RS, foi possível colocar em prática toda a teoria que,
à época, estava sendo desenvolvida no trabalho de conclusão de curso. O objetivo
da pesquisa, que terminou um ano após o estágio, foi justificar a possibilidade de
se ensinar filosofia sem uma base teórica especificamente histórica e tradicional,
com a proposta de um jogo narrativo e participativo de RPG para alunos do ensino
médio (KUSSLER, 2011). Entretanto, se hoje o ensino com RPG ainda é novidade
no Brasil, especialmente nas aulas de Filosofia, que, como vimos, ainda são extremamente atreladas às bibliografias, há seis anos atrás isso era muito mais espantoso e
problemático para quem tentava desenvolver tal metodologia de ensino inovadora.
1) A primeira experiência foi com duas turmas de ensino médio, em uma
escola pública estadual de Montenegro/RS, em 2010. As aulas durante
um semestre de estágio foram elaboradas com base em uma campanha de
RPG, isto é, uma história que seria narrada e modificada de acordo com a
vontade, o grau de participação e as sugestões suscitadas em cada encontro.
Como na época estávamos em ano eleitoral, boa parte das discussões em
diferentes momentos giravam em torno do descritor política, portanto,
a proposta foi criar um grupo de reunião de cúpula da ONU. Para tanto,
foram trabalhados conceitos de organização da ONU, de formação de
países e criação de nações fictícias, com sistema sociopolítico, geográfico
e econômico a ser definido pelos grupos em sala de aula. Alguns optaram
por retratar uma monarquia absoluta, outros optaram por um sistema
ditatorial, e outros escolheram um sistema democrático, mais semelhante
ao brasileiro. Cada membro do grupo era um membro do alto escalão
daquele país, figurando como algum ministro, representante de alguma
área de prestígio no governo, e um membro era o porta-voz do grupo nas
reuniões de cúpula da ONU.
2) A segunda experiência prática foi com algumas oficinas realizadas em
uma escola de ensino fundamental pública municipal, em Pareci Novo/
RS, em 2014. As oficinas foram ofertadas em uma semana de atividades
diferenciadas na escola e reuniu alunos de diferentes faixas etárias. Nessa
ocasião, o sistema utilizado para a abordagem do RPG foi de criação de
aventuras improvisadas com base no que os alunos gostariam de interpretar
em um mundo fantasioso. Curiosamente, todos os grupos, nos diversos
dias em que a oficina foi aplicada, optou por interpretar uma aventura de
fantasia medieval, que não condizia com sua realidade cultural, mas que
contribuiu para que exercitassem seu conhecimento de História, Geografia,
Matemática, Língua Portuguesa, entre outras áreas do saber. Destacamos,
também, o grau de envolvimento dos alunos, entre si e com a história que
lhes era narrada.
Nas duas experiências práticas foi possível notar a interação entre os alunos. Muitos
deles, em ambas as ocasiões, eram rivais, e, com o jogo, a) esqueceram-se de sua
rivalidade durante o ambiente de jogo e/ou b) perceberam que a oposicionalidade
entre eles era infrutífera e desnecessária. O espaço criado para discutir e expressar
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opinião foi extremamente positivo e frutífero para momentos pós-oficina. Alguns
professores de outras áreas vieram se informar como havia sido realizada a oficina,
pois alguns alunos haviam relatado a experiência com efusão, o que despertara
curiosidade nos colegas professores. Outro aspecto, que aborda a noção de ética
e de cidadania apresentou-se na melhora do convívio em grupo durante e após o
término da sessão de RPG. Assim, valores que imperaram e se destacaram por conta
do jogo foram, especialmente, respeito e tolerância às ideias diferentes, bem como
divergências pessoais, de modo que houve uma aproximação entre colegas, além da
percepção de colegas antes invisíveis às turmas.
Considerações finais
Ao final deste percurso filosófico e de reconhecimento da situação fenomenológicosocial brasileira, ao menos no que se refere à realidade educacional filosófica na
educação básica e do caráter formativo universitário da Filosofia catedrática, alguns
pontos puderam ser abordados e esmiuçados a ponto de suscitar novos modos de
propor o ensino filosófico. Como objetivo geral, podemos descrever a discussão da
problemática ainda não resolvida de uma metodologia de ensino e de formação
filosófica brasileira baseada no estruturalismo histórico, que prioriza a reprodução
de conhecimento da tradição filosófica em detrimento da criação propriamente original e singular de uma Filosofia mais identitária. A título de conclusão primária, é
possível mencionar que estudos como este contribuem para a proposta de um ensino
imersivo na educação básica e uma formação filosófica universitária de professores
que seja mais autônoma e que valorize mais o pensamento autêntico e autoimplicado.
É nessa perspectiva que, na primeira seção, tratamos especificamente da atual
situação da educação filosófica – tanto da educação básica aplicada por professores
quanto pela formação destes – e a metodologia que cultua a tradição da história da
Filosofia em detrimento de propostas e teses filosóficas mais originais. Ao analisar os
parâmetros curriculares do ensino médio e as sugestões do Ministério da Educação,
na subárea Filosofia, constatamos que não há qualquer obrigação legal no sentido
de restringir o ensino filosófico à sua dimensão histórica, tampouco de reduzir o
processo de aprendizagem da Filosofia ao seu caráter bibliográfico. Outra conclusão
que deve ser mencionada é a que aponta para a necessidade de se pensar em ações
mais enérgicas e iniciativas que proponham uma diversificação metodológica e que
não reproduza modelos discursivos, e sim proponha espaços de livre expressão
dóxica. Adicionalmente, enfatizamos que se pode abordar cidadania, ética e envolvimento sociopolítico, por exemplo, em atividades que permitam maior participação
e contextualização dos alunos e suas realidades.
Para culminar, na segunda seção, explicitamos uma metodologia de ensino inovadora
para a Filosofia, no Brasil: os jogos narrativos (RPGs). Estes, por si só, já são extrema-
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Tradição e crítica da metodologia de ensino de Filosofia...
mente filosóficos, pois prescindem de um espaço de discussão, livre pensamento,
criticidade, liberdade de expressão e representação – algo que dificilmente ocorre
em aulas convencionais de filosofia. Ao destacar o sistema educacional finlandês,
concluímos, também, que o mérito do alto rendimento do país nórdico está diretamente relacionado ao investimento no ambiente educacional – tanto no professorado
quanto na cultura de uma educação imersiva, que instiga o aluno a participar de
projetos instigadores no ambiente escolar. Como mostramos, o RPG não só pode
como é levado a sério por grupos de pesquisa acadêmica, abordando diversos temas,
tais como psicologia, semiótica, estética, narratividade, educação, design de jogos
etc. Isso mostra que não se trata de um mero jogo, que nada tem a ver com a formação de crianças, jovens e adultos, pois permite a representação de personagens, por
parte dos alunos, que, assim, expressam suas vontades, suas opiniões, e, ao jogar,
no tempo e espaço lúdicos, dizem-se, formam-se e reconstroem-se em suas vidas.
Por fim, mas não menos importante, destacamos que nossas experiências em escolas
públicas – tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio – foram positivas
e renderam frutos desejados. Parte do rendimento diz respeito à criação de um
ambiente de respeito, tolerância ao diferente, entrosamento entre colegas, pulsão
por argumentar e justificar opiniões em diversos assuntos que permeavam não só a
disciplina, visto que os alunos tornaram-se mais questionadores de modo transdisciplinar. Portanto, o RPG proporcionou uma mudança pessoal, cultural e ética, isto
é, no modo de ser de cada um dos alunos, que passou a perceber a importância de se
posicionar com relação aos diferentes assuntos e temas das aulas, expondo-se sem
medo de errar, rompendo a lógica binária de uma avaliação simplista e contribuindo
para um aprendizado que coloca em xeque o seguimento cego às cartilhas escolares
que, por isso mesmo, propõe um ensino emancipador.
Portanto, reiteramos nossa opinião, agora justificada por inúmeros fatores, de que o
RPG pode ser uma ótima abordagem do ensino filosófico, pois propõe alguns fatores
que julgamos serem tácitos para o ensino em geral. Os jogos narrativos propõem um
espaço lúdico que faz com que os alunos sintam-se à vontade para dizerem o que
pensam, sem filtros, de modo que é mais difícil que reproduzam coisas, pois não há
muito tempo para que busquem referências alheias ao conhecimento que dispõem
naqueles segundos em que devem dar resposta a algum eventual problema fictício
que está sendo-lhes apresentado. Além disso, a proposta da imersão em personas
faz com que tanto alunos quanto professores assumam uma postura muito mais
autônoma e original com relação à sua própria formação e ao seu papel diante do
processo formativo, que, por sua vez, reflete-se na dimensão social. Ao criar um
cenário, descrever cenas, interpretar personagens e resolver problemas, alunos e
professores apropriam-se de diversos conhecimentos e saberes transdisciplinares,
que, juntos, propõem um aprendizado mais participativo, experiencial, ético, autoimplicado, estimulante e contextualizado. Assim, propomos que levar o RPG à educação
brasileira, tal como já é explorado em outros países, especialmente na disciplina de
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Filosofia – que, como vimos, não possui muitas exigências conteudistas – é extremamente positivo e indicado, uma vez que os resultados, tanto na teoria quanto na
prática, foram gratificantes, e sua prática sempre prazerosa.
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