Por Nicolás Satriano, G1 Rio


Operação da Polícia Civil prende o ex-vereador Cristiano Girão — Foto: Divulgação

Preso em São Paulo na manhã desta sexta-feira (30) suspeito de ser o mandante de um duplo homicídio no Rio, o ex-vereador Cristiano Girão Matias, de 49 anos, é menos conhecido pela atuação política e mais pela suposta ligação com uma milícia que age na Zona Oeste da capital fluminense.

A prisão nesta sexta é consequência de uma investigação e denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contra Girão e o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa.

Ambos são acusados de executar o ex-policial André Henrique da Silva Souza, o André Zóio, e a companheira dele, Juliana Sales de Oliveira, de 27 anos, em 14 de junho de 2014.

Informações da investigação indicam que na época do crime a Gardênia Azul - local onde Girão atuaria como miliciano desde a década de 1990 - era alvo de uma disputa territorial. André Henrique seria um miliciano de Campo Grande, também na Zona Oeste, que tentava controlar a Gardênia.

De acordo com a polícia, um dia antes de ser morto, André Zóio foi a uma das imobiliárias que administrava os imóveis de Girão e disse que não repassaria mais os aluguéis recebidos na Gardênia para familiares do ex-vereador. Essa teria sido a razão para André ser executado.

Ex-vereador Girão é preso em São Paulo acusado de mandar matar um ex-PM e a mulher dele

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O pedido para prender Cristiano Girão partiu da Força-Tarefa do Caso Marielle e Anderson (FTMA), do MPRJ, que passou a investigar os crimes de Ronnie Lessa. O sargento reformado da PM está preso acusado de executar a vereadora e o motorista dela.

Segundo o MP, no entanto, a denúncia que resultou na prisão de Girão em São Paulo não tem relação com a apuração dos assassinatos de Marielle e Anderson.

Girão é eleito

A triunfo de Girão na política ocorreu em 2008, quando ele foi eleito vereador do Rio pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) para um mandato que duraria pouco. No ano seguinte, já na cadeira de vereador, Girão foi condenado e preso por chefiar a milícia da Gardênia Azul, em Jacarepaguá.

O site da Câmara dos Vereadores registra que o mandato de Girão durou entre janeiro de 2009 e outubro de 2010. A condenação pela Justiça a 14 anos de prisão tirou a possibilidade do político de comparecer às sessões no Palácio Pedro Ernesto e, por ter faltado a mais de um terço das reuniões em plenário, foi decretada a perda do mandato do político.

No mês seguinte à prisão, a Justiça determinou que Girão fosse levado para um presídio federal de segurança máxima. A decisão afastou o político da Gardênia, mas investigações apontaram que ele seguiria dando ordens na comunidade através de emissários.

Ex-vereador Cristiano Girão recebe nova condenação

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A continuidade nos desmandos levou a uma segunda condenação, em 2014, quando a 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá sentenciou Girão a 4 anos e 8 meses pelo crime de lavagem de dinheiro.

Depois de passar por presídios federais, em 2015 Girão passou a ter direito à liberdade condicional, mas a Justiça Federal o proibiu de voltar ao Rio por pelo menos um ano. Em 2017, foi concedido um indulto ao ex-vereador, ou seja, se considerou que ele havia cumprido as condenações.

Anos antes de se eleger, em 2004 e em 2006, respectivamente, Girão concorreu aos cargos de vereador e de deputado estadual. Nas duas vezes ficou de fora, figurando só como suplente. Mesmo assim, nessas oportunidades ficou nítida a força do sargento dos bombeiros na Gardênia Azul.

O relatório final da CPI das Milícias, de 2008, mostra que na zona eleitoral 179 -- que fica na Gardênia -- Girão nunca teve, no mínimo, 30% do total de votos da comunidade.

No pleito de 2004, para vereador, dos 7.745 votos que recebeu, quase a metade (3.344) registrada no bairro da Zona Oeste.

'Minha comunidade'

O nome "Cristiano Girão" é mencionado 31 vezes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) 433, de 2008. A investigação da Assembleia Legislativa, batizada de CPI das Milícias, indiciaria 266 pessoas -- entre elas 7 políticos -- suspeitas de ligação com grupos paramilitares.

No relatório final da comissão, há trechos de depoimentos de Girão aos deputados. Num deles, o então candidato a vereador nega que "na sua comunidade" exista uma milícia. Girão teria dito que domínio de transporte alternativo, extorsão e venda de gás não eram práticas no local.

"Ainda não entendo o que é classificado como milícia, mas se for o domínio de transporte alternativo, 'gatonet', extorsão e venda de gás, isso não existe na Gardênia Azul. O que eu faço lá é proteger a comunidade", afirmou à CPI o então sargento dos bombeiros.

O político também teria frisado ser bombeiro e militar, e que não aceitava ninguém fumando, cheirando ou assaltando "na porta da minha casa e na comunidade". "Quando vejo, prendo. Já prendi muita gente e, quando é necessário, peço para a polícia ir lá", disse.

Outro trecho do relatório rebate as afirmações de Girão. Na época, a investigação apontou, que na Gardênia existiam cerca de 100 milicianos, que cobravam não só taxas de segurança dos moradores, como também pelo sinal de TV a cabo e outros serviços.

Os pagamentos, segundo o documento, eram feitos diretamente no centro comunitário que levava o nome de Cristiano Girão e na associação de moradores. Era nesses locais também, relataram testemunhas, que a milícia guardava armas.

O que dizem as defesas de Girão e Lessa

Sobre a acusação de assassinato do ex-rival André Henrique da Silva Souza, a defesa de Cristiano Girão afirmou que "causa estranheza" a prisão do ex-vereador sete anos após o crime, mas vai protocolar um habeas corpus ainda nesta sexta-feira (30).

"Causa estranheza uma prisão ser decretada por fato ocorrido há sete anos, mas preciso ter acesso aos autos para me manifestar sobre o mérito da acusação. Entrarei com habeas corpus ainda hoje", disse o advogado Zoser Plata Bondim Hardman de Araújo.

Já o advogado Bruno Castro, que defende Lessa, disse que só vai se manifestar depois que tiver acesso aos autos.

"A defesa não teve acesso a absolutamente nada dessa investigação, o que impossibilita qualquer posicionamento. Portanto, somente poderá se manifestar depois que tiver acesso aos autos."

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